"possibilidades"

ELE - hoje escrevi uma que aconteceu mesmo...
ELA - o que é que isso quer dizer?
ELE - ...quer dizer que estes diálogos não são completamente impossiveis...
ELA - o que é que isso quer dizer?
ELE - quer dizer que um dia posso mesmo vir a ter uma conversa destas, assim como está escrita...!
ELA - o que é que isso quer dizer?
ELE - quer dizer que estas cenas que eu invento na minha cabeça e que não existem, mas que eu gostava que acontecessem, só que, normalmente, não acontecem porque os vários factores em jogo dificilmente proporcionam uma situação que possibilite o seu desenvolvimento, podem de facto ser... ...reais...
ELA - ...! ...se eu desenhar um Sol... Há menos probabilidades de chover?!...
ELE - ...o que é que isso quer dizer?
Um dia, uma semana, um mês
Sem te ver, eu aguento
talvez dois ou três;
Mas ficas já a saber
Que a partir do momento
Em que eu ganhar um beijo teu
Esse espaço de tempo,
que sem te ver eu aguento,
Desapareceu.

"a oportunidade"

ELA - então?... querias conversar comigo, não era?
ELE - ...
ELA - pronto... ...aqui estamos nós...
ELE - ...
ELA- a tua grande oportunidade...
ELE - ...no fundo... ...para mim é como se já tivesse tido muitas conversas contigo... eu invento conversas; já inventei mais de sete... ...mas o mais provável é eu não dizer nada do que imaginei...
ELA - não faz mal... eu também não tenciono responder-te como tu esperas!
Você,
Olhou pra mim, assim,
Pensou
Não sei
Em quê, mas foi então
Que eu dei
Por mim
Com o coração na mão.
Não sei
porquê,
Eu nunca me apaixono.
É uma infelicidade,
Não sei mas dá-me sono;
É uma incapacidade.
Mas você
Passou,
Olhou;
Não sei porquê parou.
E eu,
Nunca me apaixonei mas, fiquei
A pensar pra comigo,
A falar p'ró umbigo;
Dizendo que consigo,
Consigo eu consigo.
Mas você
Seguiu,
Fugiu,
Afinal não me viu, nem sorriu.

pássaro rebelde (tradução livre de um excerpto operatico)

O amor o amor
O amor é um pássaro rebelde
E não o pode aprisionar ninguém
E é por causa desse amor que às vezes eu sou assim tão mau
O amor é um puto da boémia
Que nunca nunca conheceu a mãe
Se tu me amas, pá, eu não te amo
Mas se te amo
Tu põe-te a pau!

"afinal"

ELE - afinal nunca tinhas percebido nada
ELA - nunca tinha percebido o quê?
ELE - eu pensava que já tinhas percebido!
ELA - o quê!!!
ELE - ... ...que eu...!
ELA - ah, isso! Já!
Eu que até sou um homem robusto,
Esta noite, apanhei um susto.
O meu coração parecia que queria parar,
Tinha o corpo dormente e não conseguia respirar,
Senti-me doente, vi o sangue a espirrar,
Os olhos reviraram, saltaram das órbitas,
As entranhas revoltas, orgãos internos pelo chão.
Mas o que é todo este horror?
...É amor. É amor.
No que me diz respeito,
Para mim, tudo em ti é perfeito.
Da coxa ao peito (o esquerdo e o direito),
O rabinho bem feito e o ventre escorreito,
Aquilo que vejo quando espreito
E o resto, que apenas suspeito,
Em nada vejo defeito.
Mas receio não ter jeito para cumprir a preceito
O velho conceito de que a mulher no leito de qualquer sujeito
Deve tirar proveito para o deixar satisfeito.
Mas penso em ti quando me deito...
Tanto, que me doi o pulso direito.
Doces, os dedos deslizam
Acariciando suavemente o papel
Onde o verso foi escrito;
Dito na tua boca o poema soa a mel;
Bailam loucas ideias, um luxo no ar,
Cores pintam no céu
O infinito do teu olhar...
Consciente da mentira a folha cai por terra,
Atirada contra a parede, a palavra chora,
A voz calma do sonho na crua realidade berra,
A resposta merecida que já não se cala:
Egoísta, orgulhosa, mal educada,
Desantenciosa, meia marada,
Mandona, pirosa, calona, vaidosa,
Foleira à maneira, sem estilo na prosa;
Rosa manhosa de espinho aguçado
Cravado na carne de qualquer coitado,
Bruxa, peste, monstra, má!
Que luxo é que resta, mostra lá!
Boca de mel, lingua de fél,
Atreita ao atrito, mente cruel.
O olhar infinito, deixa-me aflito,
Não calo, não grito... mas rasgo o papel!...

ano

Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio,
Sou teu criado, teu escravo, teu aio,
Junho, Julho, Agosto, desgosto,
Setembro nem lembro,
Já lá vai Outubro, Novembro,
Dezembro, é Natal;
E eu tão mal!
ELE - ando por aí a ouvir: não sei quê do Outubro, o de Novembro já foi... ...a ver se o Dezembro chega a Janeiro... ...tens vagas para Agosto?

opostos

És a luz do dia mais negro,
És o peso leve do meu claro escuro
O sorriso triste do mais ou menos
O ódio de quem ama sem correspondência
Senhor carteiro, então e eu?

"presente"

ELA - hoje recebi um presente...
ELE - de quem?
ELA - não sei...
ELE - não dizia de quem era?!
ELA - não.
ELE - o que é que achas que isso quer dizer?...
ELA - quer dizer que não posso agradecer.

"fotografia"

ELE - posso tirar-te uma fotografia?
ELA - não.
ELE - ?...
ELA - eu sou como os indios, acredito que quando nos tiram uma fotografia nos roubam um bocadinho da alma...
ELE - mas era isso mesmo que eu queria...
ELA - ...
ELE - um bocadinho da tua alma!...
ELA - ...!...
ELE - eu trato bem dela...

amor acidental

Pernas, braços, peitos, ventres,
Olhos, bocas, linguas, dentes,
Corpos quentes, costas, frentes,
Coxas suadas, lambidas, beijadas,
Pelvis molhadas, chicoteadas,
Costas arqueiam, cinturas volteiam,
Torção, contusão, luxação...
Coração a parar, crâneo a quebrar,
Sacro, traumatismo vascular,
Olho no olho, dente por dente,
Um abraço torcido, o pulso partido,
Fractura exposta, pouco prudente,
Choque frontal, colisão lateral,
Sindroma compartimental
Amor acidental

"boleia"

ELA - queres boleia?
ELE - heii... Imaginei sempre esta cena ao contrário...
ELA - ao contrário?
ELE - sim... Tu ias a passar e eu é que te oferecia boleia...
ELA - e depois?
ELE - depois tu entravas e eu perguntava assim "e se fugíssemos agora os dois?"
ELA - ...e o que é que eu respondia?
ELE - !... ...não sei... O que é que respondias?...
ELA - ...!... ...queres boleia?!...
Apanhei um comboio para parte nenhuma
O revisor eras tu e a seguir fui multado
Dizias que o meu bilhete era para outro lado

"cenas"

ELA - o que é que estás a fazer?
ELE - estou a escrever...
ELA - o quê?
ELE - umas cenas...
ELA - umas cenas...?
ELE - umas ideias que me passam pela cabeça... ...decidi pô-las por escrito.
ELA - posso ler?
ELE - podes...
ELA - "ela, o que é que estás a fazer?; ele, estou a escrever..."

2º deslumbramento

Nos mares do deslubramento navego até ti
E mesmo que me deixe cego o nevoeiro
Ou que sopre contrario o vento
Não haverá onda capaz de me virar
Nem tempestade que me cause tormento
Porque no horizonte tenho o teu olhar
O meu barco continuará inteiro
E para além disso tambem sei nadar

"Um poema por dia é o que me proponho fazer."

Poema fresquinho acabado de chegar
Não tem metrica nenhuma e pode nem rimar
Mas perde a validade quando acabar
De o ler.

pois

Nunca me tinha sentido assim,
Já não tenho mão em mim,
Cá dentro um ruído ruim,
O coração feito num bolo, uma bola de berlim;
E a minha alma, que era de Cetim,
É um deserto gelado, nem um pinguim...
Não há certo nem errado, nem não nem sim,
Sinto que é o fim,
Perdi o latim.
Pim!...
A culpa é tua!

moka

A cor, o sabor, o aroma inebriante
Da musa do café;
Boca, olhos, seios, curvas tantas e o restante...
Dá-me tusa, é o que é!

Que lindo sorriso

És a luz negra da minha discoteca
Sorri outra vez para eu te ver os dentes
Também se vê um bocadinho da cueca
Mas não faz mal
É fio dental

1º deslumbramento

Foi num misto de deslumbramento e paixão
Que, cego por ti e desatento,
Tropecei e caí no chão;
Fora isto apenas lamento o rasgão
Que fiz nas calças, na zona com que me sento
e o escremento de cão onde coloquei a mão.

a MALDIÇÃO da 6ª FEIRA 13

Ontem foi Sexta Feira 13
e tudo o que fiz desapareceu. Mas não foi azar,
Porque ninguém ia gostar,
Não era nada de jeito, nem parecia meu.
Pensando bem, foi perfeito, aquilo que aconteceu.

Aviso à Navegação!

Os poemas de Américo Rodrigues, que aqui podem ser encontrados, são apresentados na sua forma original:
integralmente e sem qualquer tipo de censura!
Avisam-se todos os internautas que devido à linguagem completamente explícita e directa, tão caracteristica de Américo Rodrigues, e a uma construção, frequentemente, circular estes textos poderão chocar algumas mentes mais quadradas.
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MUITO breve MENTE

aqui, em rigorosíssimo exclusivo!
(quase) toda a maravilhosa poesia dessa muito BREVE e BRILHANTE MENTE da cultura geral:
Américo L Rodrigues